quarta-feira, 29 de outubro de 2008

:: Um cara ::

Contam alguns tios meus que a primeira palavra que falei aos dez anos foi "- papai". Dizem que minha mãe ficou muito puta, "- fala mamãe, caralho!". Isso não importou muito, pois me acharam tão esquisito que me deixaram dentro de uma caixa de Leite Ninho em frente a um canil. Nunca liguei em pedir nada bem definido pra comer, quando pedi, foi um "cheeseburguer". Até hoje não sei qual o sabor dessa palavra. Mas o nome do pedido continua temperando minha mente. Ainda no meu nascimento, esses tios contam que o dia foi um acontecimento. Convidaram até um membro do corpo de bombeiros [não me pergunte por que!?!]. Quando passou a cabeça, minha mãe respirou aliviada, "graças a Deus, o resto tudo é corpo". Aos quinze anos tive meu primeiro contato com uma mulher, quer dizer, não foi bem algo que valha a pena lembrar. A mulher parecia um repolho, não conseguia manter os olhos em mim. Passou o tempo todo virando a cara, até que no final, levantou e ficou cuspindo um líquido, mas, sinceramente, nunca vi ninguém cuspir tanto assim. Jorrava da boca e fedia a azedo. Não sei explicar o que deu nela, mas, sei que ela gostou de mim e não cobrava minhas visitas. Quando resolveu cobrar eu não tinha aquilo que ela pedia: “me dá dinheiro?”. Nem sei do que se tratava. E como ela começou a arranhar e morder eu corri pra me livrar da mulher que me perseguiu por quase 20 quarteirões.
Fui levando a vida, sempre seguido de perto por uns caras que insistiam em fotografar diariamente. Ofereceram até dinheiro [vai entender essas pessoas], pra poder conviver comigo. Eles anotavam tudo. De mês em mês, tiravam meu sangue e olhavam meus dentes. Faziam também exames, digamos, mais íntimos, remexendo minhas fezes. Eu mal derrubava a massa e lá estava um cara vestido numa roupa branca com uma máscara estranha me empurrando e enchendo o potinho. Na verdade a cagada era um acontecimento extraordinário pra eles. Era tal de ligar, de anotar, de medir a grossura e a coloração e o cheiro. Só faltavam comer pra ver que gosto tinha. E naquele tempo meus dias iam assim: fotos, testes e exames fedorentos. Certa vez, passando em frente a uma banca de jornal, vi um foto minha numa capa com letras formando OVNIS. Até onde consegui ler, tinha: "Um extraterrestre vive entre nós". Nem procurei pensar no assunto. A palavra maior, "extraterrestre" me confundiu a cuca. Deixei pra lá. Lá pelos 30 anos uns lances esquisitos começaram a acontecer. Toda a vez que dormia, acordava todo melado e com um cheiro infernal de água sanitária empestando meu cafofo. Não entendia porque aquilo acontecia comigo. Nunca fiz mal a ninguém. E o mais chato é que tinha que andar por ai com aquela mancha grudenta por ai até a próxima chuva. A coisa piorou quando o problema começou acontecer de dia também. Era involuntário. Simplesmente ficava duro e aquele líquido saia. Terrível. Certa vez olhando umas meninas brincando no parque e lá o problema acontecendo de novo. Só sei que chegaram uns caras vestidos de preto, um deles levantou um porrete e acordei numa cela fedorenta. Gostei porque o cafofo fedia mais. Depois de me soltarem, eu melhorei quando voltei a me encontrar com a mulher repolho. Como fazia algum tempo que não a visitava, coisa de uns dez anos, achei que a mulher estava ainda mais enrugada. Foi complicado encaixar-me com ela, como fazíamos antes do dia do dinheiro. Só sei que certa vez estava na rua, juntando as moedas jogadas por passantes quando olhavam pra mim [nunca soube dizer por que isso acontecia], a mulher apareceu e disse: "estou grávida", no que prontamente eu respondi: "e eu com isso?". "- Vou ter um filho seu". Continuei sem entender. "Diabos homem, de onde foi que você saiu?". Levantei e fui andando, talvez depois daqueles gritos a tal voltasse a me pedir dinheiro de novo e eu só tinha pra pagar um cara que sempre me enchia de porrada se eu não desse as moedas que coletava do chão. A mulher continuou falando por 20 quadras que estava grávida, que teria um filho..., até foi ficando pra trás. Uns 12 meses depois eu encontrei a dita cuja, balançando um bolo de pano. Jurei que ela estava doente, ou louca por repetir tantas vezes aquele gesto. Quando percebi que ela tinha me visto, atravessei a rua, aproveitando pra despistar o cara que queria minhas moedas de novo. E os caras de branco que voltaram a me procurar. A mulher correu atrás de mim e o cara das moedas e os homens de branco com uma rede nas mãos. E ao longe ouviu algo que até hoje não sei dizer ao certo. Um uivo, um esturro, que vinha daquele bolo e pano. O gritinho fininho e parecia meu estômago com fome. Acho que era o filho que a mulher dizia que ser meu.

Pensei: “Bem que ele podia dizer papai”