sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

SOBRE TODAS AS COISAS

2ª parte [Tempo]

Ele olhava algumas fotos de pessoas que nunca existiram de verdade. Retratos de um tempo que tinha ficado pra trás. Sorrisos falsos. Dias de mentira. Amores distantes. Na janela os pingos da chuva escorriam criando imagens distorcidas, figuras fugazes que se desfaziam diante dos seus olhos. O tempo corria lentamente como se arrastasse todas as angústias da cidade. Levantou pra procurar uma bagana de cigarro, acendeu - suas mãos tremiam. Uma brisa fina assobiava com um grito e às vezes um sussuro, às vezes um uivo surdo. Sugou a brasa do cigarro como se buscasse na fumaça oxigênio. Precisava pensar em algo, uma saída, "Por quê?" perguntava olhando pro espelho do banheiro. Tirou a última lâmina que restara. Os pingos da torneira lhe desviavam a razão. Pareciam estampidos de uma arma. "Por quê?"Sentou na tampa da latrina e olhou para o teto. A iluminação precária, piscava e criava sombras na parede que lhe faziam sorrir. E ele gargalhou, gritou, até chorar. Os pingos do sangue quente misturavam com urina e a água empoçada. Ele suava. Ele sorria. A lâmina fina entrando na carne. Ele entrando na sua mente pra descansar. E não existia medo nem dor. Só silêncio e o tempo e o nada.

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